Arquivo do mês: agosto 2008

A Vingança de Simon

Por.: Rafael Bernini

Uma forte tempestade cai. O portal está aberto…

Meu nome é Simon. Sou príncipe herdeiro de Gorth, reino de Mustapha, meu pai, que era o senhor da guerra e do caos. Sua única obsessão era o poder e a glória.

Éramos descendentes direto de vampiros, a mais alta classe existente. Governávamos palácios e derrubávamos reinos, tempo em que o inferno era apenas um lugar.

Elric era o braço direito de meu pai, foi mordido ainda criança para governar o exército que se preparava para dominar toda escuridão. Mas não foi bem assim que aconteceu. Ele traiu meu pai, atravessando-lhe o peito com uma lança banhada em água benta, que o fez virar pó. Fui torturado e obrigado a viver em um túnel no subterrâneo, preso por correntes santas. Mil anos preso, sentindo cheiro de sangue. Tudo o que queria era uma chance de me vingar e seguir meu caminh para o inferno.

Um cheiro podre toma conta de uma gruta, alguém anda pelos túneis sombrios cantarolando algo ouvido na guerra. Segue até uma porta lacrada por correntes com um imenso cadeado sem encaixe para chave. Um sorriso misterioso toma conta do intruso.

– Querido, ainda usa esses cadeados divinos? Ele não aprende nunca.

Segura o cadeado e o quebra com uma das mãos como gravetos.

Atrás da porta, um corredor. Vários corpos pendurados por correntes.

Um ainda se move.

– Ora, ora. Será que o mundo é tão pequeno assim que acabei o achando num lugar destes?

– Quem é você infeliz? – pergunta o acorrentado.

– Estava passando por aqui e achei interessante te fazer uma visita.

– Quem diabos é você?

– Eu sou aquele que pode te trazer a vida. Eu posso ouvir seus lamentos, sua dor, sua súplica. E o melhor: sinto que você é um dos poucos vampiros que ainda tem uma alma. Sabe por quê? Você é o único que realmente pôde se alimentar do sangue de Cristo, e se tornar o portador do poder.

– E daí?

– Vamos fazer um trato. Devolvo sua força e você me dá o purgatório, o que acha?

– E como posso te dar isso?

– Derrote Nero e me coloque em seu posto. Somente assim poderá chegar até Elric.

– Aceito sua condição. Mas como conseguirei minhas forças de volta?

– Simples!

O homem arranca uma faca de seu bolso, corta um pouco acima de seu ombro e coloca a cabeça de Simon para que possa se alimentar. Em pouco segundos seu corpo revigora.

Simon se levanta e abre suas imensas asas negras. Arrebenta as correntes, mas um pouco delas ainda sobra em seus pulsos, como se fizesse parte de seu corpo agora.

Anda em direção à porta; percebe que o mundo não é mais como antes. Saindo por uma antiga igreja, no cemitério, não tem mais noção de onde está. Segue em frente até uma saída que dá para a imensa cidade. Prédios e grandes edifícios, coisas que nunca imagina-ra ver em sua vida. Alça vôo em direção ao céu nublado. Pára. Sente-se fraco e ainda está com fome.

– Olha que belo – o estranho aparece novamente.

– Preciso me alimentar.

– Então venha comigo. Prazer primeiro, depois alimento.

– Aonde vai me levar? – questiona Simon.

– A Nero.

– Como poderei matá-lo, fraco assim?

– Use as correntes. Mas cuidado, Nero é temido por sua agilidade e esperteza. Para matá-lo, deve arrancar sua cabeça. E não se esqueça, pegue a chave em seu pescoço.

– Sim.

– Então vamos.

Entrando em uma boate, seguem até um andar inferior. Simon logo está sozinho. Vê uma porta rodeada por guardas, imagina que ali está quem procura.

É barrado pelos guardas.

– Aonde pensa que vai?

– Preciso falar com Nero.

– Ele não quer ser incomodado.

– Mas eu insisto – e segue em frente.

O outro segurança o empurra e, com a mão esquerda, Simon o golpeia, afundando o nariz.

Rapidamente, o lugar está rodeado de seguranças. Dão tiros em direção a ele, que se esquiva e vai parar atrás de um balcão. Sente um tiro no braço. Começa a jogar garrafas. Várias. Os cigarros se misturam com o álcool e o fogo se espalha. Ele derruba um e pega a arma. Enquanto os corpos estão sendo queimados, ele segue pare seu objetivo.

Um amplo salão, onde há um jovem muito belo cercado de mulheres.

– Como você entrou aqui?

– Seus guardas beberam demais e acabaram dormindo.

– No que posso ajudar antes que chame mais deles.

Simon aponta a arma.

– Sei o que quer, cretino. Você quer minha chave. Mas isso não acontecerá. Porque nenhum humano pode tirar isso de mim. – diz Nero virando as costas para Simon.

– Já viu humano de asas, idiota!

Um tiro distraiu Nero e logo as correntes estavam apertando seu pescoço e removendo sua cabeça.

– Vejo que fez um belo trabalho, Simon.

– Onde posso encontrar Elric?

– À meia-noite de amanhã, quando o circulo azul estiver no céu, voe para seu centro e entre no seu antigo palácio. Lá saberá o que fazer.

Simon lhe entrega a chave. O estranho desaparece.

Uma forte tempestade cai. O portal está aberto e Simon segue em direção à tormenta. Chega ao pátio central. Sua antiga casa. Seu antigo lar. Agora, com uma bandeira do exército de Elric. Por enquanto. Segue em direção a uma entrada ao norte. Um sorriso toma seu rosto depois de anos. Corre pelos túneis e esgotos, chega a uma clareira, onde havia deixado sua antiga espada.

– Olá, querido irmão – diz Elric, acompanhado de um bando de homens – Que honra! De trás do trono, sai o estranho com a chave na mão.

– Aqui esta, meu mestre, a chave para o sangue da vida eterna.

O sangue de Cristo que é guardado no purgatório.

– Obrigado, Lúcifer, é tão eficiente quanto esperto.

– Seu desgraçado!

Os olhos chamuscam em amarelo e as asas brotam com ferocidade.

– Não terei dó de sua alma quando te matar e te devorar.

– E como isso irá acontecer? – diz Elric – Você esta cercado pelos meus melhores guerreiros. Não há nenhuma chance contra nós.

– Sé é o que pensa.

Empunha a arma e segue correndo em direção a Elric, deslizando a ponta de sua espada no chão numa velocidade espantosa. Crava-a no peito do irmão. O exército vai de encontro a ele, enquanto Lúcifer gargalha. Antes que Simon possa se defender, um clarão e um barulho forte toma conta do lugar.

Quando tudo volta ao normal, estão todos caídos, esquartejados. Lúcifer sumira.  Simon olha para o céu, sua vingança está completa, mas agora deve favor a Outro.


Cinzas

por.: Márcio Renato  Bordin

Joshua acende um cigarro. Um trago. Sente a fumaça invadir seu corpo. Sua filha chora. Sua mulher implora… O cigarro queima.

Outro trago. Todo o quarteirão já fora evacuado. Os policiais cercam a casa tentando manter os curiosos afastados. Os atiradores de elite posicionados em cima dos telhados vizinhos… Joshua fuma.

Puxa mais um trago. Ato tão prazeroso quanto nocivo. Não mais nocivo que seu calibre 44 que também cheira à fumaça. Acabara de ser disparada. Acabara de criar um cadáver.

O cigarro queima. Lentamente o sólido vai se tornando cinzas. Assim como a vida de Joshua. Outrora tão sólida, agora, apenas cinzas. A felicidade é vista apenas nas fotos espalhadas pelo chão da sala… O cigarro ainda queima.

Outro trago. Um calmante em forma de fumaça. Joshua nem ouve os gritos apavorados de sua esposa, que clama pela própria vida abraçada ao corpo inerte do amante.

Ele olha para o cigarro enquanto brinca soltando círculos de fumaça. Sua filha chora borrando a maquiagem carregada em seus olhos. Uma maquiagem pesada o suficiente para disfarçar seus dezessete anos de idade, nas noites em que se prostituía em troca de drogas. E Joshua julgando que sua inocente filha, ficava até tarde nas casas das amigas… Apenas estudando.

Joshua fuma tranquilamente seu cigarro sentado em sua poltrona posicionada no centro da sala de estar, com a 44 pousada sobre seu colo. Os policiais se preparam para invadir. Os dedos dos atiradores de elite coçam no gatilho. O alvo está na mira.

Eles só estão esperando a ordem para dispararem… Mas não há sinal de perigo.

O cigarro chega ao fim. A ponta. A bituca. Essa é a melhor parte. Tudo parece ser tão mais prazeroso quando próximo ao fim. O cigarro, a bebida… A vida

O sargento derruba a porta dianteira à ponta-pé, seguido por mais três soldados rasos. Os outros adentram à residência pela porta dos fundos e janelas. Rapidamente cercam um Joshua inerte.

O cigarro ainda queima. Desesperada a esposa grita para todos saírem. Porém… Tarde demais.

Todos cercam um homem dando seu ultimo trago no cigarro, totalmente indiferente aos fatos ocorrendo em sua volta.

Só então percebem que pisam em solo molhado. Só então sentem o forte odor de combustível espalhado por todos os cômodos… Tarde demais.

Joshua abre os braços como se saudasse a vida. Abraçando a morte. O sargento dá a ordem para todos saírem rápido de dentro da casa. Toda ação gera uma reação contraria de igual ou maior intensidade. Joshua de braços abertos empunhando o cigarro em uma das mãos e a 44 na outra, os policiais correndo desesperados. Os dedos nervosos dos atiradores puxam o gatilho.

Joshua tem o peito atingido. A pistola cai de um lado e a ponta do cigarro de outro. A brasa beija o combustível. O fogo é imediato. Rapidamente as chamas se alastram pelos cômodos. Os moveis se desmancham junto às carnes ainda vivas… Do pó ao pó.

Os gritos são abafados pelo ensurdecedor som do fogo furioso. Tudo se mescla numa terrível sinfonia.

A casa queima. A maquiagem se desmancha. O rosto pintado se desfaz. A adultera abraçada ao corpo do amante. As chamas os unem para sempre. Difícil demais separar pó de pó.

Os retratos espalhados vão se tornando cinzas. Retratos de um passado feliz. Joshua, sua amada esposa e sua doce e inocente filha. Retratos de um passado se tornam o que aquela felicidade ali estampada já se tornou há muito tempo… Apenas cinzas.